ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS MENORES

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No final dos anos 80, ainda recém-formada em direito, fui procurada por uma mulher que havia se separado e vivenciava graves dificuldades relacionadas ao afastamento, abrupto e total, do cônjuge em relação aos filhos.

A família era de classe média alta e o aspecto financeiro (pensão alimentícia) não era problema. O que àquela mãe procurava era a possibilidade de obrigar o pai a visitar os filhos e dar a eles apoio emocional, mantendo convivência sadia, bem como a participação na educação dos menores. O pai negou, afastando-se completamente. Não é difícil imaginar as sequelas do ato egoísta e discriminatório daquele pai. Na época não havia instrumento legislativo que protegesse os filhos do abandono emocional/educacional. Nada pode ser feito.

Atualmente, a conduta mencionada é inaceitável e passível de correção.

A manutenção dos laços afetivos com os filhos menores está protegida na Constituição Federal e na lei ordinária, podendo ser solicitada a atuação do poder judiciário em casos de abandono da prole como consequência da separação do casal (ou abandono da prole por outros motivos).

Criar e educar os filhos é um DEVER e um DIREITO de ambos os pais, conforme estabelece o artigo 229[1] da Constituição Federal. O artigo 227, também da Constituição Federal, declara como dever da família, da sociedade e do Estado “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito (…) à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (grifei).

O Código Civil, do ano de 2002, protege os filhos, em seus amplos direitos, ao final da união dos pais, inclusive estabelecendo a salutar guarda compartilhada.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, mais conhecido como ECA, trata da proteção às crianças e adolescentes de forma ampla. Repete e regula àquilo que está assegurado na Constituição Federal (artigos 3º até 6º e artigos 16 até 18).

O abandono afetivo da prole não é legalmente viável e, se existente, pode gerar indenização por danos psíquicos.

Para ilustrar, cito caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual a Ministra Nancy Andrigui atuou como Relatora para o acórdão[2], tendo decidido:

(…)

Perquirir, com vagar, não sobre o dever de assistência psicológica dos pais em relação à prole – obrigação inescapável –, mas sobre a viabilidade técnica de se responsabilizar, civilmente, àqueles que descumprem essa incumbência, é a outra faceta dessa moeda e a questão central que se examina neste recurso.

Nessa linha de pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae. A ideia subjacente é a de que o ser humano precisa, além do básico para a sua manutenção – alimento, abrigo e saúde –, também de outros elementos, normalmente imateriais, igualmente necessários para uma adequada formação – educação, lazer, regras de conduta, etc.

(…)

Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar.

Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.

O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.

O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.

Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.

A indenização pelos danos sofridos pela prole abandonada, naquele caso específico, foi de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser paga pelo cônjuge omisso em suas obrigações elementares.

Repito, pela importância, as palavras da Ministra Nancy Andrighi: “amar é faculdade, cuidar é dever”. Dever legal descumprido é passível de punição.

Jane Regina Mathias

28/01/2020

Imagem de Olya Adampvich por Pixabay

[1] Constituição Federal, Art. 229: Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 

[2] REsp 1.159.242 / SP, julgado em 24/04/2012 pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (grifei).

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